quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Os verdadeiros custos finais


Os ataques de Mumbai vieram a abalar a Índia. Durante três dias o mundo assistiu em suspenso, enquanto 28 terroristas tornaram aquela que já foi conhecida como a pérola do oriente, num feroz campo de batalha. Resultado final: 188 mortos e 294 feridos.
Contudo as consequências ameaçam não ficar por aqui: o facto dos atentados, terem sido planeados no Paquistão ameaçam levar a uma escalada de tensões, que destabilizará não só as duas grandes potencias da zona, mas também a zona do Indo-Kush (zona entre o Paquistão e Afeganistão). Isto constitui um grande problema para a NATO, e um grande desafio para Obama, e ameaçando-se tornar um poço de areias movediças muito mais perigoso que o Iraque.
De facto esta região nunca foi muito favorável para potenciais ocidentais.
Primeiro chegou Alexandre o Grande. O até aí invencível exército macedónio, que tinha esmagado as poderosas cidades-estado gregas (Atenas e Tebas), e o temível Império Persa, como se não passassem de meros insectos, encontrou um rival á altura: as tribos da bactria (actual afeganistão). As falanges eram demasiado lentas para um adversário que não arriscava o combate corpo a corpo. A sua cavalaria pesada (os famosos "Companheiros do Rei", assim chamada por ser formada pelos amigos de infância de Alexandre), não se conseguia a adaptar ao terreno incrivelmente montanhoso. Durante anos a guerra foi um impasse, um amontoado de massacres, guerras de guerrilha, e de contra-subversão. Por fim com uma política que misturava uma rede habilidosamente tecida de alianças (Alexandre, o homem que se dizia filho de Zeus até se casou com uma filha dum humilde chefe tribal), misturada com uma crueldade implacável conseguiu dar á região uma aparente embora temporária estabilidade. Isto permitiu a Alexandre, continuar a sua expansão entrando na Índia onde enfrentou o poderoso exercito do rei Porus de Punjab ( que tinha 200 elefantes de guerra). Conta-se que a batalha foi tão terrível, que após esta ter sido ganha, o exercito macedónio recusou-se a avançar mais um passo que fosse para oriente, começando assim a longa retirada para ocidente.
Durante 1700 anos , esta região (India, Paquistão e Afeganistão) esteve, sem ver exercitos ocidentais. Contudo tudo isso iria mudar com a chegada de Vasco da Gama e dos Portugueses a Calecute. A principio a coisa correu mal para os portugueses: chegados de biblia numa mão para impor o catolicismo, e com a outra a pedir especiarias (o equivalente renascentista a “tomem lá a democracia, agora dêem-nos o petróleo”), não fomos bem recebidos. Contudo Afonso de Albuquerque mudaria essa politica, misturando uma hábil politica diplomática e de alianças (que visava explorar as varias rivalidades que existiam), com uma estratégia de rebentar (sim a historia dos brandos costumes é um mito) a tiro de canhão toda a gente que tivesse contra os lusos (mais tarde conhecida por politica de canhoneira, e tão bem utilizada pelos nossos sucessores ingleses na zona). Esta estratégia permitiu aos portugueses manterem um dominio relativamente firme na costa, mas no entanto, a ausência de homens e meios levou a que só roçassem a superfície do subcontinente.
Mais tarde entrando por Bombaim (Mumbai), chegam os ingleses, que utilizando, uma estratégia semelhante á nossa, aliada a uma muito maior abundancia de meios e recursos, conseguiram dominar todo o subcontinente. No entanto nem Inglaterra nem a Russia (sua rival pelo dominio da Asia) conseguem dominar o Afeganistão, e sofrem constantemente com as incursões dos seus habitantes. Com vista a controla-los e mantê-los fracos, Inglaterra adopta uma estratégia de invasão arruinadora de tanto em tanto tempo.
Por fim no final da década de 70 a URSS invade e ocupa o Afeganistão, sob a bandeira “libertadora” do comunismo. Mais uma vez a guerra é infrutífera, dolorosa, e sem fim á vista. O invencível exército vermelho, que tinha esmagado a poderosa Wehrmacht, seria derrotado por um grupo de mujahedin, que em vez de usarem tanques ou Helicópteros de ataque (como os primeiros), como veículos, utilizavam mulas, sendo estes armados via Paquistão.
Hoje encontra-se lá a NATO, liderada pelos USA. A democracia, tal como antes o Comunismo e o Cristianismo (na India), foi brutalmente rejeitada ( para espanto do “homus ocidentalis”), por um povo que não se identifica com ela, não a quer, e a acha maligna e decadente. Controlando pouco mais que as cidades, os exércitos aliados tem-se sentido cada vez mais acossados e perseguidos. A revolta alastra por todo o país, e as forças da NATO, são cada vez mais empurradas para dentro das suas fortalezas, apenas ousando saír em colunas grandes, que pela sua dimensão e lentidão não conseguem enfrentar as forças Talibã.
Com o crescimento das tensões entre os dois gigantes vizinhos (Paquistão e Índia) a situação ameaça agravar-se: O Paquistão prepara-se para deslocar as divisões que se encontram na fronteira com o Afeganistão (zona de influencia Talibã), para a fronteira com a Índia, dando assim uma ainda maior folga aos Talibã. Tudo isto leva a prever um aquecimento do teatro de guerra, já de si bastante quente.
Se Obama quiser saír do Afeganistão deixando uma mínima aparência de ordem (ganhar é impossível), terá que mudar completamente a estratégia americana: terá que aumentar o numero de homens e de meios, terá que fazer alianças (não só a nível nacional mas principalmente a nível local), terá que fazer pactos com o Diabo, engolir sapos, explorar as varias rivalidades tribais e religiosas, desenvolver económica e socialmente a região. Mais que isso terá que ter em conta que a guerra contra os Talibã não se passa só pelo Afeganistão. Passa também pela Índia e o Paquistão, e para ganhar no primeiro terá que garantir a cooperação e sossego do segundo e do terceiro.
Seja qual for o resultado final, os custos serão enormes: destruição, caos, pilhagem, colapso económico, mortos, (militares e civis), amputados (física e psicologicamente), perdas de entes queridos (amigos, irmãos, filhos, pais, amantes), deixando esta guerra (a par da do Iraque) tal como a guerra do Vietnam, uma feia cicatriz na sociedade americana. “São as fortes necessidades de um grande império. Antes possuir apenas um quintalejo, com uma vaca para o leite e dois pés de alface para as merendas de Verão…(…)”*

*Eça de Queirós á cerca da estratégia inglesa (e dos seus custos humanos) para o Afeganistão.

Também publicado aqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não te esqueças que a URSS só perdeu porque eles tinham lá o RAMBO!