quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Memórias do "tempo da outra senhora"

Desde muito novo que as questões da Justiça despertaram a minha atenção. Desde muito novo que ao ver alguém com alguma notoriedade (tendo ou não reconhecimento e/ou popularidade) a ser constituído arguido, rapidamente na minha cabeça o mesmo se tornava num criminoso. Tal decorre sem dúvida, não da concreta educação que recebi dos meus Pais mas, de uma generalizada convicção enraizada na sociedade portuguesa, esta análoga à minha conclusão mental. Enfim, muito característica de outros tempos.
Contudo, admito alguns excessos deste género a pessoas de outras gerações que, não tiveram a enorme sorte de nascer em liberdade, mas não à minha geração, onde toda ela se pode dizer, esclarecida.
Posto isto, algumas definições legais (tal como os economistas e outros se servem dos números e outros valores, os aspirantes a profissionais do Direito e da Lei o fazem para com os artigos e afins) se impõem: artigo 32º, n.º2 da CRP (Garantias do processo criminal), "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa." De notar portanto que, e de acordo com a letra da lei, mesmo no momento em que o agente é considerado judicialmente culpado, a sua inocência ainda é de presumir. Apenas e unicamente, quando a sentença transitar em julgado é que este pode ser considerado culpado.
Não sei se por ignorância ou, pura demagogia política e social muitos tentam apagar tal preceito do rol de "Direitos, liberdades e garantias".
Estranhamente noto que, quando casos puramente mediáticos como o caso Casa Pia, ou recentemente o caso FreePort são manchetes de jornais, apenas se fala do acessório numa tentativa de não sei o quê mas, com o claro intuito de manchar publicamente alguns. Estranhamente noto também que nunca ninguém fala da violação do segredo de justiça presente em tudo isto. Tal também é um crime previsto e punido pelo Código Penal: artigo 195º (Violação de segredo), "Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias."

5 comentários:

Rodrigo Lobo d'Ávila disse...

60 linhas para nos dizeres uma grande novidade: que a revelação do segredo de justiça é crime. Obrigado, não fazia a mínima ideia.

Falas disso como se as fugas de informação, para a imprensa, fossem o grande problema da justiça, quando na verdade são o menor dela. É a consequência dum sistema judicial, que é provavelmente o ex-libris da decadência do país. Umas das causas como ,dizia Saldanha Sanches ontem, começa pela submissão da policia ao ministério publica. Sistema único no mundo, e segundo algumas dessas mentes brilhantes que são os juristas do nosso país, o melhor. Realmente faz todo sentido: inferiorizar um órgão perante outro, e esperar alguma coesão destes.
Por outro lado no nosso brilhante sistema judicial, um réu, arguido, ou suspeito, tem mais possibilidades de morrer de velhice do que que de ser condenado ou de ver o seu nome ilibado. Poderemos sempre falar do fechar de olhos a crimes ou suspeitas de crimes prepretados por altos funcionários do estado (pelos vistos o processo só voltou a andar quando londres espicaçou o MP--- com isto não digo k o SoSo é culpado).
No meio desta salgalhada toda ( com um ministério publico e tribunais dum peso e duma imobilidade paquidermica, com brilhantes magistrados que parecem não saber fazer mais nada do que fazer greve por lhes tirarem as férias) não me espanta nada que haja fugas, e que a imprensa as revele. Alias espantava-me era que não houvesse fugas: isso significar que o MP funcionava correctamente nalguma coisa. Isso sim seria estranho.

Gonçalo Dorotea Cevada disse...

Rodrigo,

Ao afirmares que a violação do segredo de justiça é o menor mal da Justiça em Portugal, revela uma total indiferença para com os cidadãos constituídos arguidos. Como bem sabes, alguém com alguma notoriedade pública quando seja constituído arguido num qualquer processo, passa automaticamente para outras nomenclaturas, ou é o ladrão, o burlão, o pedófilo, emfim... Digamos que o seu bom nome (admitindo que o tinha) deixa de existir e mais, todo o desenrolar do processo fica claramente posto em causa.

Portanto, não é por ser (aparentemente) um mal menor da Justiça em Portugal, como afirmas, que se vai permitir que continue a acontecer permanentemente e, sem qualquer tipo de consequências.

BSC disse...

Sem querer menorizar o direito à presunção de inocência e ao bom nome, parece-me que o mais grave, neste momento, relativamente ao Segredo de Justiça é a comunicação social noticiar diligências políciais ou de investigação criminal antes das mesmas ocorrem.

Isto denota uma total e absoluta promiscuidade entre autoridades policiais e judiciárias (MP) e comunicação social que é, no mínino, PREOCUPANTE.

No meio de tudo isto pergunta-se: onde ficam os direitos dos cidadãos?

michael seufert disse...

Já agora, não confundir presunção da inocência judicial, com a mesma avaliação política.
Politicamente acho que não se pode afirmar a presunção da inocência.

Rodrigo Lobo d'Ávila disse...

Não. Não revela total indiferença perante os arguidos. Revela sim uma hierarquização dos problemas; preocupares-te com a revelação do segredo de justiça (quando o sistema judicial tá todo fodido) é como te preocupares com a falha de luz que ocorre quando um barco se está a afundar: é apenas uma pequena parte do problema, fruto do problema maior: aquele rombo enorme no casco. Acho que é muito mais importante o facto de nunca ninguém ser condenado, ou preso ou absolvido, diga-se de passagem.
A existência de uma óbvia promiscuidade entre os magistrados e poder politico (como tu disses-te) leva a que NENHUM destes processos, seja investigado, tendo como consequência, nunca ter havido uma condenação de um politico, ou de qlq outro homem de colarinho branco em Portugal.
Um estrangeiro que veja o nosso país pensa que temos as melhores elites do mundo.
Quando o sistema judicial falha (nas sociedades livres) não punindo, nem investigando os seus lideres, compete á imprensa livre entrar em cena, de forma a que estes paguem, se não o preço legal , pelo menos o preço politico. Se não é a própria democracia que corre perigo. Recorda-te de Watergate: se não fosse a revelação do segredo de justiça, nunca se teria sabido de nd...
Quanto ao processo ser influenciado pelos gritos da populaça acho absolutamente ridículo: os magistrados já são meninos crescidinhos para não se deixarem influenciar com os gritos de algumas peixeiras…