quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Património - uma visão

Pousada de Santa Maria do Bouro - intervenção do Arq. Eduardo Souto Moura


O património de uma nação é muitas menosprezadas, actualmente as populações nem sequer sabem correctamente o significado da palavra, quando falamos de património, na grande maioria dos casos a resposta imediata remete-se para o património edificado, verificando-se claramente a falta de sensibilização pelo património natural, pelo património arqueológico assim como o património arquitectónico, bem como o desrespeito e vandalização do mesmo. Este legado é nos deixado pelas gerações precedentes, e é importante manter e preservar pois constitui a memória, os símbolos, as marcas do nosso Pais no Mundo.

A salvaguarda desse património, desse legado, e a sua posterior valorização e usufruto é importantíssima para a base sólida de um Pais.

Portugal encontra-se numa fase de aculturação das suas populações pelo fenómeno da globalização. A globalização é um fenómeno a que nenhuns pais do 1º mundo podem ultrapassar. Os mass – média, a Internet, as deslocações aéreas fáceis e a preços reduzidos entre países passam cada vez mais a ser veículo de transporte destes novos modos de vida e consequentemente a aculturação das suas populações.

Um plano sólido de educação torna-se assim importante. Esse plano deverá ser baseado em valores nacionais, de defesa dos símbolos de uma nação assim como de preservação do nosso património edificado, arqueológico, natural, arquitectónico, bem como as tradições e lendas, pois serão estas as nossas marcas identitárias no mundo. O património é por isso um dos veículos detentores de maior carga simbólica de um Pais.

Portugal é detentor de vestígios civilizacionais importantíssimos, testemunhos da passagem de impérios como o Romano pelo nosso território, ou até de vestígios de civilizações milenares da idade da pedra que aqui fizerem os seus assentamentos. São disso exemplo o parque arqueológico do Vale do Côa ou as nossas actuais cidades, muitas delas implantadas sobre cidades ou vilas romanas, das quais se pode destacar Braga ou Chaves.
Estes sítios arqueológicos devem ser valorizados e divulgados às populações, assim como a criação de importantes sinergias entre estes e os concelhos onde se inserem para a sua posterior valorização no mapa estratégico e económico do Pais, tendo como base o turismo cultural.

A escola deve estar presente no desenvolvimento destes sítios, ao mesmo tempo que pode participar na sensibilização das gerações vindouras para o património.

Mértola é exemplo disso. Em Mértola encontramos uma atracção turística face à sua transformação em vila museu, e consequentemente o seu desenvolvimento face ao património que possuía. A localização desta pequena vila alentejana no mapa internacional e nacional. Isto deve-se ao facto da inteligente coordenação entre populações e autarquia e valorização do legado arqueológico da vila. As escolas profissionais de Mértola ajudam à preservação e conservação do património ai encontrado. A formação dos jovens em técnicos arqueológicos ou de restauro, permitiu que os próprios desenvolvam um interesse cada vez maior na preservação do património da vila, participando activamente neste processo, como base do ensinamento técnico da escola. A Escola Bento Jesus Caraça em Mértola é um exemplo perfeito desta parceria património / educação. O caso de Mértola é paradigmático mas serve de exemplo para outras vilas ou localidades que deveriam adoptar Mértola como exemplo.

O Caso de Guimarães é diferente, em Guimarães houve um sábio entendimento entre autarquia e população, obviamente com uma insistência que perdura já há alguns anos.
O processo de Guimarães demorou bastantes anos para poder funcionar em pleno. A criação de um gabinete técnico local em Guimarães, GTL, como em outras cidades, com o intuito de revitalização do centro histórico não era novidade, a novidade consistia, que este gabinete estava não só munido de técnicos de qualidade comprovada em processos de revitalização e restauro como é o caso do arquitecto Fernando Távora, como este gabinete devido ao sucesso atingido manteve-se e não foi extinto passado dois anos como normalmente acontece com um gabinete deste cariz. O esforço feito pela Câmara neste sentido foi evidente e é de louvar. É óbvio que passados alguns anos Guimarães começa a colher os frutos semeados.

Guimarães possui um património já por si inigualável, o castelo e zonas circundantes já tinham sido intervencionadas e valorizadas, mas o que interessa salientar aqui foi a revitalização do seu centro histórico. O Centro histórico de Guimarães de características medievais, precisava de uma revitalização urgente, devido ao uso indevido do seu património edificado, e posterior vandalização.
O processo de reabilitação do centro histórico, passou por um envolvimento da população nas próprias obras e na requalificação das suas próprias casas e ambiente urbano. Este processo permitiu que a população pudesse passar a desfrutar de entendimento do próprio património vernacular que possuíam. Percebendo que as casas que foram habitadas pelos seus avós que agora eram suas, possuem valor, que há interesse por quem é de fora, até interesse mundial nas suas casas. Com alguma persistência conseguiu-se educar uma população e faze-la preterir caixilhos de madeira por caixilhos de alumínio.

Neste momento Guimarães é uma cidade próspera, que consegue atrair investimento turístico e económico muito á custa de todo o investimento e valorização que foi feito no legado patrimonial que possuíam.

O caso da Enatur Pousadas de Portugal, é outro exemplo em intervenções feitas sobre tutela do IPPAR da altura, em património edificado de inegável valor arquitectónico.
A revitalização destes espaços e sua posterior valorização económica como pousadas de luxo, que por sua vez se tornaram motores da economia destes locais é sem duvida um caso e um modelo a repetir. As intervenções feitas por arquitectos de reconhecido valor nacional nestes monumentos ajudaram à reutilização sábia destes antigos conventos.
Contudo não podemos estabelecer uma regra, que todos os conventos abandonados se transformem em estabelecimentos hoteleiros de luxo, muitos destes edifícios não comportam meios para albergar tais funções, e podem se transformar em autênticos crimes ao património.

Estes 3 exemplos servem para se perceber como é possível conciliar património e a sua valorização e posterior rentabilização ao mesmo tempo que se sensibiliza e educa as populações para o legado que lhe és transmitido e que importa transmitir dentro do possível inalterado às gerações vindouras.

2 comentários:

André Barbosa disse...

Neste Post já concordo, em parte, contigo. Por uma razão muito simples, os 3 exemplos que apresentaste tratam-se de bens do domínio público, ou seja, são marcas da identidade de Portugal. Aqui, compete ao Estado zelar pelo seu património. Não se trata de subsidiar, mas, preservar o passado para que no futuro possamos ter registos da nossa história. Isto, claro, se não quiseres ser radical ao ponto de comparar centros históricos com, por exemplo, pintura ou cinema. E concordo em parte contigo, porque andam para aí muitas Câmaras que, sem critério aparente, classificam como património municipal tudo que tenha um aspecto antigo (deve ser este o critério). O que implica, por vezes, grandes dramas e, sobretudo, interfere e limita a liberdade individual.

Quanto à provocação, não se trata de educar, mas, na verdade, transmitir, às gerações vindouras, a nossa história
Contudo, o mesmo não deve ser aplicado à cultura de vanguarda (?), como sugeres. Porque estas já são fruto do trabalho individual. Um financiamento para restaurar umas ruínas romanas, não é o mesmo, por muito que o desejes, que financiar um filme do Manoel de Oliveira.

BSC disse...

Concordo inteiramente quando dizes, e bem "A salvaguarda desse património [referindo-te ao património edificado, arqueológico, natural, arquitectónico, tradições e lendas], desse legado, e a sua posterior valorização e usufruto é importantíssima para a base sólida de um Pais".

Mas permito-me acrescentar a LÍNGUA como elemento identitário fundamental e como património a preservar. E essa é, sistematicamente, esquecida e, muitas vezes, tratada a pontapé.

Se queremos falar de património, comecemos, então, pela Língua Portuguesa, que é o nosso património comum...