domingo, 5 de outubro de 2008

Somos a inveja da Europa senhores!!



Não gosto de Rui Pereira. Primeiro ignorou todos os avisos da oposição relativamente à crescente onda de crimes, acusando esta de demagogia e populismo (o mais recente cliché da esquerda portuguesa). De seguida, quando o país durante o verão se tornou uma espécie de "Iraque dos pequeninos", e perante a revolta da opinião publica , Rui Pereira resolve atacar em duas frentes. Primeiro monta uma série de operações espectáculo com meios megalómanos. Houve ali um momento que cheguei a pensar que ía ver tanques de guerra a tomar de assalto a quinta da fonte ("russian style"), para apanhar a costumada chusma de bêbados e pedintes. A segunda frente consistiu em tentar intimidar com a sua habitual arrogância moral e intelectual todos os que ousavam falar desta onda de crimes. A oposição levou com a habitual acusação de demagogia e populismo, os jornalistas levaram por, vejam lá, relatarem demasiados crimes, não dando a devida atenção às coisas tão bonitas que o Portugal de Sócrates tem para mostrar. Já o comum da sociedade portuguesa foi acusada de estar a sofrer um sério ataque de histeria em massa . Não contente com isto, apontou para mais alto, acusando o presidente de ser culpado de não haver mais polícias na rua, devido a um atraso na aprovação da lei orgânica da GNR. Isto revelou-se muita areia para a camioneta, deste "bully" da política portuguesa, levando este, um valente "puxão de orelhas" do Professor Presidente, ao mesmo tempo que era desautorizado pelo próprio governo na pessoa do ministro da presidência.
Enquanto esta tragicomédia se desenrolava, o principal partido da oposição (PPD-PSD), seguindo os bons hábitos peninsulares fazia uma "siesta" durante o pesado calor do verão, apenas abrindo os olhos para gritar "demitam-no!", (uma espécie de "Mata! Queima ! Esfola!" da politica portuguesa), para os fechar de seguida continuando com o seu silencioso sono.
Deve o leitor pensar que concordo com este dorminhoco partido. Afinal como eu disse no princípio deste texto, não gosto de Rui Pereira: a sua arrogância moral, ligada à sua mediocridade intelectual tornam-no num dos ministros mais insuportáveis deste governo. Contudo isto não constitui razão para se demitir um ministro. Haveria razão para a chicotada psicológica caso o Rui Pereira fosse directamente responsável pela não contenção da onda de crimes, o que me parece errado. Na minha opinião os responsáveis pela crescente criminalidade em Portugal são todas as mentes iluminadas que constituem a nossa classe dirigente (incluindo Rui Pereira mas não só), nomeadamente aqueles que contribuíram para a realização do código penal, sucessivas alterações e legislação avulsa, tendo como actual líder o ministro da justiça. Interessante grupo este : sendo detentores dum gigantesco e colectivo complexo do messias, sempre (desde os longínquos anos 80) encararam os criminosos, não como ameaças para a sociedade (devendo por isso ser punidos), mas apenas como filhos pródigos, ou como ovelhas tresmalhadas que precisam de ser guiadas de volta ao rebanho pelo "bom pastor". E aí de quem afirmasse que a punição era uma parte fundamental de qualquer sistema penal, a "lucidez" e absoluta crença na bondade inata do género humano levaria a correrem o imprudente tratando-o de fascista para cima.
Houve um tempo que este tipo de legislação não tinha grande consequência. O facto de vivermos num país periférico, atrasado e relativamente sossegado, aliado ao mito do "país dos brandos costumes" levou a que o problema da criminalidade fosse durante muito tempo ignorado. Durante muitos anos assistimos a esta espécie de faz de conta em que a polícia, (mal equipada, mal treinada e desmoralizada) fingia que prendia e presseguia criminosos, enquanto que o sistema judicial fingia que os julgava e punia.
Durante anos este fingimento decorreu com o assobio para o lado da classe politica portuguesa, e com a aprovação da maioria da classe jurídica que com um sorriso bondoso nos lábios limitavam-se a justificar esta situação como adequada a um país de brandos costumes. Contudo a realidade tem esse irritante hábito de nos bater á porta. Quando a classe jurídica e política numa explosão de humanismo quase que orgiástico, procedeu as alterações do código de processo penal , dando o golpe de misericórdia ao cadáver da justiça portuguesa o dique rebentou. O país tornou-se num pequeno "farwest" em que muitos aspirantes a "Liberty Valences" e a "Billy the Kid" faziam das suas, conscientes de não haver uma justiça eficiente que os punisse. Isto claro, sem o factor dissuasor da existência na área dum rancheiro tipo John Wayne ou dum "bounty hunter" ao estilo de Clint Eastwood.
E como reagem os nossos "reis" e "senhores" a toda e qualquer questão, sobre a temática da segurança que se lhes faça? Esboçam um abundante e bondoso sorriso e tal o Conde de Ribamar dizia ao Padre Amaro e ao Conego Dias (O Crime do Padre Amaro, Eça de Queirós), estes dizem: "Não lhes dê isso cuidado, meus senhores, não lhes dê isso cuidado! É possível que haja aí um ou dois esturrados que se queixem, digam tolices sobre a decadência de Portugal, e que estamos num marasmo, e que vamos caindo no embrutecimento, e que isto assim não pode durar dez anos, etc., etc. Baboseiras!... (...) A verdade, meus senhores é que os estrangeiros invejam-nos..." E estendendo o braço com a imponencia com que um Alexandre apontaria para a Macedónia dizem: "...Vejam toda esta paz, esta prosperidade, este contentamento... Meus senhores, não admira realmente que sejamos a inveja da Europa"
E tal como os três personagens do imortal romance queirosiano, estes Amaros, Dias e Ribamares do nosso tempo, olham com orgulho e ternura, a sua grandiosa obra que consiste este Portugal do seculo XXI, que tanto faz lembrar o do seculo XIX.

P.S.: Este artigo também foi publicado no jornal "O Concelho".

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